Sofrimento no trabalho
Quando se fala em trabalho nas empresas modernas, pouco se diz daquilo que realmente as pessoas fazem. Sobre este tema persiste uma vaga idéia, uma vez que os pontos de vista mais comuns, expressos nos mais variados discursos, mostram que, no mais das vezes, considera-se o trabalho de outrem de maneira empobrecida, como algo simples para execução e desenvolvimento. Infelizmente pouco valor é dado ao esforço empregado para chegar a resultados esperados. Aquilo que é feito – a atividade desenvolvida, as estratégias para dar conta das variabilidades, dos imprevistos – não é reconhecido e muito menos previsto como algo que agrega valor aos processos. Acreditamos que isso seja ainda herança de uma visão de mundo, baseada no ideário positivista, que, apesar de já ser considerado ultrapassado para explicar e desenvolver sistemas de produção mais modernos, provavelmente ainda influencia fortemente os responsáveis por projetos de produção e pela gestão de instituições e de empresas. Ainda faltam passos significativos para que se considerem que, do outro lado, o das pessoas que estão produzindo (qualquer tipo de trabalho), há muito mais inteligência do que aquela que se costuma reconhecer, há habilidades, competências para saber ser, saber fazer, saber tanta coisa... O que significa tudo isso? Há cada vez mais indícios de que o trabalho só é reconhecido em certas situações, principalmente nas empresas que se situam nos núcleos das redes de produção. É interessante, ao analisar o trabalho em certas empresas, que processos de terceirização sejam, muitas vezes, destinados a empurrar para mais longe, para a periferia das redes, aquelas tarefas consideradas como “menos importantes”. É aí, na periferia das redes de produção, que se encontram grandes contingentes de trabalhadores desenvolvendo suas atividades em condições mais precárias. É onde se encontram muitos casos de doenças, como as que envolvem Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbio Osteomolecular Relacionado ao Trabalho (DORT), assim como um grande número de pessoas que sofrem de distúrbios da economia psíquica. Será que esse tipo de modelo será ainda muito prevalente no universo da produção nos próximos anos? Qual será o tamanho e a importância na criação de empregos da “periferia” dessas redes de produção? Além de existir no universo da manufatura, esse tipo de modelo inspira também muitas empresas que oferecem serviços, como aqueles conhecidos como “serviços de massa”. Em centrais de atendimento, em diferentes atividades bancárias, entre outras, as tarefas são desse tipo. Em consonância com esse ponto de vista, aquilo que se provê como conteúdo dos processos de aprendizagem não é adequado à realidade do seu trabalho. Busca-se adequar as pessoas às tarefas que seriam formalizadas em procedimentos rígidos e a produtividade buscada seria resultado do seu cumprimento, baseado em regras predefinidas pela hie- rarquia, sem que se considere a realidade vivida pelas pessoas que atuam nessas empresas, uma vez que essas seriam também uma “parte mecânica” e facilmente substituível do sistema. Laerte Idal Sznelwar é médico, ergonomista, professor do Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) – [email protected]
Fausto Leopoldo Mascia é engenheiro, ergonomista, professor do Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) – [email protected]
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